Concussão ou Corrupção? Entenda a diferença!

João Carneiro 7 min de leitura

Os crimes de concussão e corrupção passiva são confundidos não só pelas pessoas de fora do mundo jurídico, mas também por advogados e estudantes de direito.

E isso não ocorre por falta de motivos!

Além de ambos serem crimes situados no Título “Dos Crimes Contra a Administração Pública”, ambos possuem elementos que os tornam quase idênticos perante olhos desatentos. 

Como bem disse Rogério Greco, tratam-se de delitos irmãos.

Nesse sentido, hoje nós decidimos abordar as diferenças entre os crimes de concussão e corrupção passiva.

Além disso, vamos falar a respeito da história desses dois delitos e da trajetória que culminou em sua recente mudança pelo Pacote Anticrime.

Portanto, fique conosco e entenda de uma vez por todas essa diferença!

Vamos começar com um quadro comparativo entre esses dois crimes? 

Vai ajudar bastante na compreensão, vamos lá!

Concussão X Corrupção Passiva [Quadro Comparativo] 

Antes de mais nada, o crime de concussão está previsto no art. 316 do Código Penal, o qual prevê o seguinte:

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Já o crime de corrupção passiva é previsto no art. 317 do Código Penal, em seu tipo vemos o seguinte:

Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 

Perceba que ambos são um tanto quanto semelhantes! 

Nesse sentido, para facilitar sua compreensão, a seguir nós disponibilizamos um quadro comparativo dos crimes de concussão e corrupção passiva, confira!

Elementos do CrimeConcussãoCorrupção Passiva
Finalidadepara si ou para outrempara si ou para outrem
Formadireta ou indiretamentedireta ou indiretamente
Tempoainda que fora da função ou antes de assumi-laainda que fora da função ou antes de assumi-la
Objetovantagem indevidavantagem indevida
Penareclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multareclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa
Núcleo do TipoExigirSolicitar ou receber

Em síntese, é possível visualizar que os crimes são completamente iguais em todos os seus elementos, diferenciando-se apenas no núcleo do tipo.

No crime de concussão o funcionário público exige, enquanto no de corrupção passiva ele solicita ou recebe.

Agora estamos prontos para abordar cada um dos delitos de forma mais detalhada! 

O crime de concussão e suas peculiaridades

Primeiramente, o crime de concussão está situado no Título XI do Código Penal, parte do código destinada aos crimes contra a administração pública. 

Além disso, está no Capítulo I nomeado de “Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração em Geral”.

Em outras palavras, o sujeito ativo deste delito será o funcionário público.

Aqui é importante que nos lembremos da definição de funcionário público trazida pelo art. 327 do Código Penal, veja:

Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Do mesmo modo, os sujeitos passivos do delito serão: 

  1. Administração Pública (Sujeito Passivo Imediato); 
  1. O Particular vítima da exigência de vantagem indevida (Sujeito Passivo Mediato).

O núcleo do tipo do crime de concussão demanda que o funcionário público exija vantagem indevida em razão da função que exerce.

Essa exigência se aproxima de uma ordem, uma ameaça, algo imperativo que muitos doutrinadores aproximam da extorsão. 

Podemos visualizar esse posicionamento doutrinário no julgado STF, HC 89686/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 17/8/2007, p. 58.

Em outras palavras, o crime de concussão é como se fosse uma extorsão praticada pelo funcionário público em desfavor do particular.

É preciso se atentar ao fato de que o tipo não demanda que o funcionário público receba vantagem indevida.

Em outras palavras, o mero ato de exigi-la já faz com que o crime se concretize.

Agora vamos falar sobre a Corrupção Passiva, confira o próximo tópico!

O Crime de Corrupção Passiva e suas peculiaridades

Antes de mais nada, o crime de corrupção passiva está situado no Título XI do Código Penal, título este destinado aos crimes contra a administração pública. 

Além disso, também está inserido no Capítulo I “Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração em Geral”.

Do mesmo modo que a concussão, no crime de corrupção passiva o sujeito ativo será o funcionário público.

Entretanto, no crime de corrupção passiva, em razão da existência dos núcleos “Solicitar ou receber”, temos desdobramentos distintos dos visualizados no crime de concussão, são eles:

  1. Caso o funcionário público solicite vantagem indevida, temos a Administração Pública e o Particular como sujeitos passivos do delito;
  1. Caso o funcionário público receba a vantagem indevida, temos a Administração como sujeito passivo do delito e o particular que dá a vantagem indevida torna-se sujeito ativo do delito de Corrupção Ativa.

Por fim, o crime de corrupção passiva consiste na solicitação ou recebimento de vantagem indevida pelo funcionário público.

Para esse delito a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

De maneira idêntica ao crime de concussão, mesmo este sendo um crime muito mais grave, já que o funcionário público exige vantagem indevida.

Acontece que nem sempre foi assim! 

Vamos entender a trajetória desses dois delitos que culminou em sua mudança legislativa recente, confira!

Concussão e o Pacote Anticrime: as razões do recente aumento de pena

Em primeiro lugar, o legislador originário do Código Penal determinou que a pena para o crime de concussão seria mínima de 2 (dois) anos e máxima de 8 (oito) anos. 

Enquanto o crime de corrupção passiva tinha pena mínima de 1 (um) ano e máxima de 8 (oito) anos. 

A diferença na pena mínima se dava justamente pela distinção de gravidade entre os delitos, uma vez que exigir vantagem indevida é muito mais grave do que simplesmente pedir.

Acontece que os anos de 2001 e 2002 foram marcados por inúmeros escândalos de corrupção.

Estes por sua vez despertaram os anseios populares e a opinião pública pressionou o legislativo a trazer penas mais graves ao ordenamento jurídico.

Assim surgiu a Lei n.º 10.763/2003 que acrescentou artigos ao Código Penal e modificou as penas cominadas aos crimes de corrupção ativa e passiva. 

A pena do crime de corrupção passiva deixou de ser aquela acima mencionada e passou a ser de, no mínimo, 2 (dois) e máximo 12 (doze) anos e multa.

Contudo, seu crime irmão não experimentou mudanças, o que culminou no descompasso entre as penas dos dois delitos.

De modo que a conduta mais agressiva ao ordenamento jurídico ficou com uma pena menor.

Antonio Santoro, em artigo destinado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), comentou que “a sanha política de dar satisfação à opinião pública causou sérios estragos teleológicos ao sistema penal”.

Muitos debates seguiram à mudança legislativa, inclusive arguições de inconstitucionalidade, entretanto apenas com o Pacote Anticrime, em 2019, referido descompasso foi sanado. 

A Lei n.º 13.964/2019 efetuou inúmeras mudanças na legislação penal e processual penal.

Como resultado, houve a alteração da pena do crime de concussão, passando a ser mínima de 02 (dois) e máxima de 12 (doze) anos, e multa. 

Ou seja, houve a equiparação dos dois delitos.

No entanto, a discussão não terminou, uma vez que persiste o entendimento de que o crime de concussão é mais grave que o de corrupção passiva e por isso deveria ter uma pena mais grave!

E você, caro Causídico? O que acha dessa discussão? Não esqueça de conferir outros conteúdos no blog da Bonafide!

Escrito por

João Carneiro

OAB/MS 24.014

Advogado graduado em Direito e Mestre pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Redator de conteúdos jurídicos para WEB harmonizados ao SEO.